Esquecer nos faz ser quem somos. Como disse Schopenhauer, não é possível lembrar tudo que se leu, assim como não é possível guardar tudo que se comeu. Da mesma forma, não é possível guardar tudo que se viveu. Como o alimento que nutre o corpo, quando trabalhado por este, a memória “constrói” nossa identidade, selecionando nossas vivências, filtrando nossa experiência, retendo a substância dada por nossa emoção e interesse.
O esquecimento é a garantia de nossa identidade; com ele e por ele moldamos nossa personalidade, compomos uma assemblage de causas e fatores imperceptíveis. Quando prestamos atenção, quando dirigimos nosso olhar a nós mesmos, já somos e não sabemos bem porquê. Nosso conhecimento não é a soma do que vimos, sentimos e vivemos, porém, um processo complexo de motivação e esquecimento. Nós somos porque esquecemos.
Não é à toa que Heidegger fala do esquecimento do ser. Foi este esquecimento que gerou o sujeito moderno, voltado para si, partindo de si, mas lançado a imensidão de seu vazio. Portador e titular da razão – a máxima senhora de todo saber –, que o faz dono do instrumento e da técnica, ao mesmo tempo em que o abandona em sua solidão. A razão é a essência do homem, enquanto é a dissipação do humano. A razão desconhece o esquecimento, pois habita no esquecer do esquecer.
O esquecer da razão não tem gosto, não tem sabor, não tem vivência, porque esta é o esquecimento do que foi profundamente experienciado e agudamente sentido. O esquecimento nos marca na alma, no coração, no corpo, na fala, porém não na razão.
Esquecer nos faz ser quem somos; pensar nos faz ser quem não somos.
2 comentários:
João, gostei muito do seu texto. Aproveito para lembrar as palavras de Gadamer, um filósofo que sei que aprecia: "A saúde pertence ao milagre do autoesquecimento"
Um abraço!
Felipe
Concordo plenamente com tudo que o senhor falou, pois mal lembro o que jantei ontem.
Devemos guardar apenas o excencial, pois o inultil nos faz ser burro.
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